Falta de sono, falta de sonhos
Dormir pouco me serve para duas coisas: para pensar um monte de merda e para recompensar a falta de sono com gordura e açúcar ingeridos em doses cavalares.
Em uma das minhas últimas crises de insônia, há não tanto tempo quanto eu gostaria, recebi um e-mail que beirou a violência, cujo assunto era “De repente 30: balzaquiana, comemore com estilo”. Porra!!! Deixem que eu me agarre ao que resta dos meus 20 anos em paz, cazzo!
Toda crise de idade é uma puta imbecilidade – até que você passe por isso. Eu queria muito dizer que a crise dos 30 é invenção para vender Renew (talvez seja), mas é inevitável não entrar num vórtice de questões ao ver tudo ao seu redor tão radicalmente mudado e tudo dentro de você mais do avesso do que o Japão (entenderam a piada?).
O que antes era corriqueiro passa a ser um esforço inenarrável e o que parecia inadmissível torna-se bem confortável. Mesmo.
Ficar em casa numa sexta à noite não é mais absurdo, é um alívio. E se ninguém te ligar para fazer qualquer convite, melhor ainda.
O conceito de solidão ficou muito mais flexível, enquanto o mundo se compadece do teu isolamento, você regozija pela paz que conseguiu.
E interagir é mais trabalhoso do que parto de fórceps. Sabe aquela coisa espontânea de viajar e fazer muitos amigos, sentar num bar e sair com alguns contatos a mais? Esquece, não vai mais acontecer, mesmo porque a régua do julgamento começa a subir em níveis himalaicos.
Eu não posso deixar de citar também o fato de TODOS os amigos estarem em uma situação totalmente diferente. Quando o seu pessoal começa a postar só foto de casal, aliança, lua de mel e, pior, bebês (ou, pior ainda, segunda gravidez!!!), isso tem apenas um significado: FODEU.
Fodeu porque a partir disso a cobrança é inevitável, porque quem casa acha que todo mundo precisa casar, porque se todo mundo pariu ou emprenhou, por que não você? E porque para a tua família você agora nada mais é que a esquisita encalhada.
E eu, confortável na minha situação de esquisita encalhada e solitária, só consigo pensar: preciso de amigos mais jovens. O problema é que um dia eles também chegarão a esse ponto. É aí que fica desesperador. Não porque eu quero uma aliança de noivado ou um útero cheio, mas EXATAMENTE PORQUE EU SEQUER COGITO TAIS POSSIBILIDADES.
Pior do que tudo isso, é sentir que você ainda é jovem demais para tudo isso. Eu ainda fico escandalizada e acho muito esquisito ver meus amigos de infância e adolescência fazendo essas coisas, porque isso é remoto demais para mim.
Mas essas elucubrações de Peter Pan da vida real podem ser apenas o fruto da minha insônia regada a alguns copos da segunda cota do volume morto da Cantareira (acabou minha água mineral) e desenhos animados.
Diante disso, só me restou desassinar a infortunada newsletter, que tenta me roubar o último sopro daquilo que me era confortável e conhecido, de quando o normal não era assustador, e assumir a faceta da velha louca que passa a fazer 25 anos todos os anos.
Eu que sempre falhei com a matemática, saio do papel de vítima dos problemas e tomo a posição de agente da esquizofrenia inexata da customização dos números. Também conhecida como mentir a idade.